Os casos Brasil e Argentina como exemplo

A situação econômica da Argentina, após o encerramento das eleições no último domingo, é  mais um belo exemplo de um dos principais e mais antigos conceitos em finanças: diversificação. Um princípio popularmente conhecido pela frase “nunca coloque todos os seus ovos na mesma cesta”. Tecnicamente, vamos tratar da importância da diversificação financeira em moeda forte como Dólar americano, Euro, Libra Esterlina, etc.

O presidente argentino Mauricio Macri iniciou bem seu mandato com importantes medidas, porém, com todo o gradualismo populista com que ele tentou trabalhar, fracassou na implementação das reformas fundamentais e a economia argentina teve um fraquíssimo desempenho nos últimos anos gerando inflação, desemprego, deterioração fiscal, etc.

Em Agosto deste ano houve as primárias das eleições argentinas, a chamada pré-eleição, e a apuração dos votos mostrou uma provável vitória de Alberto Fernández e Cristina Kirchner frente ao atual presidente Mauricio Macri. Com o resultado, o cenário catastrófico da economia foi acentuado com a constante desvalorização da sua moeda em relação ao Dólar americano e ao Real, além do péssimo desempenho de seu principal índice na bolsa de Valores (MERVAL).

O gráfico abaixo representa a valorização do dólar frente ao peso argentino em 2019 com impressionante alta de quase 60%:

Após as primárias de Agosto na eleição argentina a alta do dólar frente ao Peso foi de 32%! 32% em 2 meses!

Uma desvalorização expressiva do Peso argentino em 2019 bastante acentuada com o resultado das primárias eleitorais. Os dados ficam ainda mais críticos quando se observa a relação dólar x peso argentino de 1 de janeiro de 2018 até os dias de hoje; o dólar se valorizou 222,57%.

Além disso, o índice de ações MERVAL chegou a cair -49,23% em apenas 25 dias! E continua com uma queda significativa de -22,45% desde 11 de agosto.

O Banco Central Argentino, horas depois da vitória de Alberto Fernández, emitiu uma nota afirmando que iria intensificar o controle cambial devido ao risco de uma forte saída de capital do país para a compra de dólares americanos. A instituição estabeleceu um limite de compra de apenas US$ 200,00 por mês por pessoa.

Esses dados revelam a importância da diversificação do patrimônio em moeda forte para minimizar o risco de perda de valor do patrimônio e do poder de compra da moeda. Além disso é importante frisar que o dólar não está livre de oscilações, mas historicamente é uma das moedas mais fortes e sólidas do mundo.

Países emergentes exportadores de commodities e matéria prima, além de importadores de produtos industrializados de alto valor agregado sempre estarão suscetíveis a fortes oscilações cambiais que, na prática, impactam diretamente o preço de produtos básicos nos supermercados, por exemplo. Além, é claro, das próprias crises políticas e econômicas internas que acabam por influenciar negativamente no câmbio.

Uma economia fraca e a precificação pelo mercado de resultados eleitorais negativos geraram a forte oscilação cambial que vimos na Argentina em 2019. As eleições argentinas para os mercados e seus analistas são negativas por considerarem que os vencedores têm políticas econômicas pouco comprometidas com a estabilidade fiscal do país o que, no futuro, poderia gerar resultados econômicos ainda piores.

Em resumo, o resultado prático é de uma enorme perda do poder de compra para o cidadão argentino.

Façamos um exercício sobre o caso Argentina:

– Considerando o PIB per capita argentino de US$11.689.00 em 2018, porém com arredondamento para US$12000 para facilitar as contas.

– 12000 dólares em 02/01/2019 valiam $456.000 pesos (Dólar a 38 pesos).

– Considerando que em Agosto/19 a inflação das últimos 12 meses na Argentina era perto de 50% ao ano.

Cenário 1 – 100% Argentina.

Imagine que um argentino, Diego, tinha em 02/01/2019 uma poupança de $912.000 pesos, 100% investida na Argentina em Pesos. Com a inflação de 50% a perda do poder de compra de sua poupança equivale a desvalorização do patrimônio para $456.000 pesos.

Um título público argentino de 1 ano, pagava em Setembro cerca de 30% ao ano, portanto, 456000 + 30% de valorização, total de $592.800 pesos. Esse é o  “tamanho do poder de compra do patrimônio” de Diego agora. Um resultado real de uma perda de quase 320.000 pesos!

Cenário 2 – 50% Argentina – 50% Dólar

Imagine outro Argentino, Leo, consciente da importância da diversificação financeira, tinha o equivalente aos mesmos $912.000 pesos de Diego, porém 50% em Pesos Argentinos e 50% em Dólares, ou seja, Leo tinha $456.000 pesos e $12.000 dólares em 02/01/2019.

A parcela do capital em pesos argentinos sofre com a inflação de 50% (228.000) e tem o rendimento do título de 30%. Total de $296.400,00 pesos.

Já a parcela em dólar, que não sofre a inflação argentina, se valorizou pela simples variação cambial de 60% em 2019, ou seja, os US$12.000 que compravam $456.000 pesos em Janeiro/19 agora compram $719.040 pesos!!!

Nesse caso, Leo teria um poder de compra de seu patrimônio de $1.015.440 pesos.

Leo está mais “rico” que Diego em $422.640 pesos, 71,3% a mais, por pura precaução em manter parte dos ativos dolarizados. Isso sem contar numa possível valorização do investimento em dólar.

Conclusão Argentina

Obviamente essa é uma conta bem simplificada da situação, que demandaria um cálculo muito mais complexo, fizemos a chamada “conta de padaria”, mas que serve muito bem para exemplificar e dimensionar a importância de dolarizar parte dos investimentos, ainda que não seja uma parcela grande como os 50% do exemplo de Leo.

Caso Brasil

No Brasil, as eleições foram em tese favoráveis às projeções dos analistas de mercados, com a possibilidade de reformas importantes que poderiam impactar positivamente a economia, com a melhora do resultado das empresas, salários, emprego, etc. Até agora temos uma resultado positivo com a taxa de juros em seu ponto mais baixo da história (5,5%), além da bolsa de valores bater o recorde histórico atingindo cerca de 107-108 mil pontos.

Com um cenário completamente diferente da Argentina, poderíamos pensar então que o correto seria investir em Reais, certo? Errado.

Pelo menos para analistas que defendem a diversificação internacional.

Mesmo com os resultados até então positivos, a economia Brasileira ainda é muito pequena se comparada no mercado internacional, é completamente exposta à variação do dólar pela necessidade de importação de produtos industrializados, pouco investimento externo e pela antiga perda do título de Grau de investimento.

Somados a esse cenário, o principal fator é externo.

A possível desaceleração econômica global demonstrada por indicadores na Europa, por exemplo, e a disputa comercial entre EUA X China vem gerando certo temor nos mercados e, nesses casos, historicamente, os investimentos retornam para lugares considerados economicamente mais seguros como Estados Unidos, a Alemanha, etc.

Importante frisar que “possível desaceleração da economia americana” ainda é muito diferente de “recessão”. Atualmente a previsão é de um crescimento superior a 2% em 2019, completando o 11º ano consecutivo de crescimento nos EUA.

Por isso a euforia com a possível melhoria econômica no Brasil não é suficiente para evitar a forte desvalorização do real frente ao dólar, que tem alta de quase 6% em 2019, mesmo após a queda expressiva dos últimos dias de quase 5% saindo de 4,20 para 4,00 (após a reforma da previdência e o arrefecimento na disputa entre EUA x China) – veja o gráfico de 2019 a seguir:

E se realmente acontecer um crise global, um recessão nos EUA, o que acontece com o dólar?

Vejamos o gráfico do Dólar X Real durante a crise de 2008, uma das maiores da história nos EUA:

No período entre 24 de Julho e 16 de Dezembro de 2008, ou seja, menos de 5 meses, o dólar se valorizou 63% frente ao Real, período que muitos apontam como o ápice da crise americana.

Após esse período e várias medidas econômicas e fiscais em todo o mundo, o dólar começou a se normalizar um pouco até 2010, 2011 quando os EUA se recuperaram da crise e o Brasil viveu um bom momento de entrada de capital externo pela valorização das commodities que exportava.

Quando o mundo já tinha se normalizado e os EUA começado a crescer, o Brasil entrou em grave crise com medidas econômicas e fiscais totalmente fracassadas, entrou recessão e então de 2011 até hoje, esse foi o comportamento do dólar:

Conclusão geral

O que queremos demonstrar com esse estudo é que independentemente do momento econômico do país, das projeções de mercado, das eleições, o mercado externo sempre será muito maior que o interno e por isso a importância da diversificação. O Brasil deveria sim, ter uma economia mais aberta, fazer muitas reformas importantes para se tornar apto a receber  investimentos externos relevantes para melhorar um pouco a relação Dólar X Real.

Mas, ainda assim, o cenário externo terá um peso maior na variação cambial e principalmente no poder de compra da moeda Real – o que impacta diretamente seus investimentos e suas compras, mesmo que de produtos básicos.

Uma forma de se proteger a todos esses riscos internos e externos, políticos e econômicos, é ter uma boa diversificação financeira de seu patrimônio, considerando classes diferentes de ativos inclusive em diferentes moedas, fortes como o Dólar americano, por exemplo – principalmente com um planejamento bem feito e bem calculado.